terça-feira, 21 de maio de 2013

Músicas Ao Calhas - 21 Guns & Sound the Bugle

Quando, há uns meses, estava a trabalhar numa parte do meu livro rica em ação, escrevi uma série de entradas de Músicas Ao Calhas sobre temas que definiam, um pouco, o espírito desses capítulos. Hoje, estou numa transição entre livros, a acabar o terceiro e a pensar no início do quarto. Quero, portanto, falar sobre duas músicas que representarão o estado de espírito de uma das personagens principais no início do livro. Tenho esperanças de que esta entrada me ajude a compreender melhor esse espírito e, assim, facilite a escrita dos primeiros capítulos.

As músicas em questão são 21 Guns, dos Green Day, e Sound the Bugle, da banda sonora do filme de animação Spirit, interpretada por Bryan Adams.


"Does the pain weight out the pride?"

21 Guns foi o segundo single do álbum 21st Century Breakdown, de 2009. Este foi um álbum que repetiu as fórmulas do extremamente bem sucedido American Idiot mas de que eu gostei muito na altura, por vários motivos. Um dos quais foi o facto de ter servido de pretexto para a banda atuar em Portugal, a 28 de setembro de 2009. Como já devem ter calculado, eu estive lá e diverti-me imenso. O Billie Joe Armstrong sabe bem como envolver a audiência. Isso e/ou o público português é um público que aproveita ao mácimo tais espetáculos, que se deixa envolver facilmente. O álbum acabou por ter alguma influência na génese de "O Sobrevivente", tendo mesmo inspirado a personagem Glória.

Não gostei muito da triologia ¡Uno!, ¡Dos!, ¡Tré!, apesar de ter ficado entusiasmada aquando do anúncio do seu lançamento, bem como com Oh Love. Tirando uma mão-cheia de faixas, a larga maioria das músicas não me diz nada, chegando a tornar-se cansativas e repetitivas - o que, tendo em conta que, da discografia dos Green Day, apenas conheço bem American Idiot, 21st Century Breakdown e meia dúzia de singles, diz bastante...

   

Mas regressemos a 21 Guns. Aquando do lançamento de 21st Century Breakdown, o meu irmão disse que o segundo single era uma das melhores músicas dos Green Day. Não acho que, pelo menos no que diz respeito às baladas, seja melhor que Wake Me Up When September Ends ou Good Riddance (Time Of Your Life) mas não andará muito longe. É uma balada rock, guiada pela guitarra acústica, a que se juntam guitarras elétricas e bateria. Na versão que apresentam ao vivo, também incluem notas de piano a seguir ao solo de guitarra.

É uma canção muito derrotista, cuja letra lamenta a perda de um motivo por que lutar, sequelas dolorosas de lutas anteriores, acabando por se optar pela rendição, pela desistência.

Desde o momento em que me familiarizei com a música, associei-a quase de imediato com Sound the Bugle, da banda sonora do filme Spirit. Tal como já tinha afirmado nesta entrada, a banda sonora resultante do trabalho de Bryan Adams e Hans Zimmer tem o ponto forte de não ser demasiado específica, permitindo a qualquer pessoa identificar-se com as músicas. Sound the Bugle é um bom exemplo disso.


"Then from on high, somewhere in the distance...
There's a voice that calls: «Remember who you are»" 

A música possui duas partes distintas. A primeira adota a linha abordada em 21 Guns, trnasmitindo os sentimentos do cavalo Spirit, que se sente abatido pela perda de Rain, a sua amada, e por ter sido de novo capturado pelos colonizadores americanos, que se dá como derrotado. O que acaba por surpreender pois, desde o início do filme, Spirit destaca-se pelo seu espírito indomável, inderrotável. Confesso que, quando vi o filme pela primeira vez, quase chorei nesta parte e a banda sonora muito contribuiu para esse efeito.

No entanto, a certa altura, dá-se uma viragem. Algo recorda o sujeito narrativo de quem ele é, dos motivos que tem para lutar, e isso dá-lhe o alento necessário para regressar ao campo de batalha. No caso de Spirit, tais motivos são a vontade de ver os entes amados de novo, regressar à sua terra natal, o que requer que ele se liberte de novo. Que é o que acaba por fazer.


Um momento semelhante, um momento que também podia ser ilustrado por estas duas canções, ocorre n'As Brumas de Avalon, no quarto livro, O Prisioneiro da Árvore. Vou tentar evitar os spoilers. Resumidamente, Morgaine, a personagem principal, atravessa um momento de depressão semelhante aos descritos acima e acaba por desistir da vida. Não se suicida mas fica à espera de morrer. Estabelece-se, aliás, uma certa analogia morte/vida neste tipo de situações provando, de certa forma, que difícil não é morrer, difícil é viver, suportando todas as dificuldades inerentes. "Não podia regressar de novo à vida, não podia voltar a lutar e a sofrer e a conviver com o ódio daqueles que um dia me tinham amado (...) Não. Estava ali em silêncio e em paz e, dentro em pouco, sabia-o então, entraria ainda mais para dentro dessa paz. (...) Não procures levar-me para a vida quando eu já me resignei a ficar aqui, na morte. Aqui, nestas terras imortais, tudo está em sossego, sem dor nem luta; aqui posso esquecer tanto o amor como a dor."

Aqui, são as recordações das coisas boas da vida que fazem Morgaine sair daquele limbo, em que não estava viva nem morta. "Eram as vozes dos mortos e dos vivos que me gritavam: «Volta de novo, volta, a própria vida está a chamar-te, com todo o seu prazer e toda a sua dor». Mais do que um regresso à luta, aqui trata-se mais de um regresso à vida. É, sem dúvida, um dos momentos mais belos de toda a saga.

A bondade do acto de fazê-la regressar é discutível pois Morgaine regressa apenas para assistir à perda dos entes queridos que lhe restam e à ruína daquilo que resta de tudo por que lutou toda a vida. Talvez tivesse sido menos cruel deixá-la onde estava. No entanto, no fim de tudo, ela descobre que não falhou completamente. E penso que a possibilidade de morrer com esse pequeno consolo valeu o regresso à vida.


A minha intenção é incluir uma viragem de maré semelhante no meu quarto livro. Não necessariamente tão rápida, tão imediata, nem mesmo tão fácil. Em linha com o que disse há pouco, às vezes pode ser menos doloroso permanecer no buraco onde se caiu. Nada pode garantir que, ao sair dele, não se volte a cair de novo e que, desta vez, doa ainda mais. O que planeio é, precisamente, que não seja fácil, que ocorram retrocessos, que a personagem em questão se interrogue, várias vezes, se está a seguir o caminho correto. Mas tentarei fazer com que, no fim, tenha valido a pena.

Nestes caos, pessoalmente, julgo que vale a pena levantar-se de novo, regressar à luta e/ou à vida, ou pelo menos tentar. Seja por respeito a entes queridos, seja por orgulho, por não se querer uma rendição sem primeiro dar luta, por não se querer ser cobarde, seja para não passar o resto da vida interrogando-se sobre o que teria acontecido se se tivesse tentado sair do buraco, seja porque a vida é demasiado curta para ser desperdiçada desta forma. É sobre isto que falam músicas como Sound the Bugle, Alice, de Avril Lavigne, Alive, de Leona Lewis, Last Hope, dos Paramore. Mesmo que tenhamos de dar um passo de cada vez, mesmo que o nosso objetivo seja apenas sobreviver até ao fim do dia, mais cedo ou mais tarde, valerá a pena.

É nisso que acredito, pelo menos.

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